Tive o privilégio de crescer numa família que nunca me limitou pelo fato de eu ser mulher. Ao contrário, minha mãe sempre trabalhou (e muito), enquanto minha vó sempre se dedicou aos cuidados dos filhos e netos e eu, ainda criança, fui aprendendo a lidar com diferentes papéis das minhas mulheres. Sempre fui incentivada a falar, participar, ser a melhor da turma e buscar conhecimento além do que minha própria família podia me dar.
Na infância e na adolescência, sempre tive muitos amigos homens e me dedicava a uma camuflagem comportamental para ser parte de. Lembro de um episódio muito marcante. Eu amava futebol (ainda amo), mas na minha rua só tinha time masculino. Eu nunca tive dúvidas sobre a opção de entrar no time DELES. E ia além: organizava a pelada, dividia os times para que ficassem mais justos, criava as regras e, claro, era a dona da bola. Nunca houve problema até meu time ganhar. Nesse dia, os meninos me enxotaram do time obviamente porque não aceitavam o fato de perder pra uma menina. Todavia, lembro como se fosse hoje da argumentação usada para minha saída: “Cinara, você é muito mandona, quer controlar toda organização do futebol e não aceita perder!”. Poxa, eu passei seis meses aceitando perder apenas para pertencer ao time, pensei eu. Sobre o fato de ser mandona, nem argumentei.
Cheguei em casa furiosa e meu pai falou “eu disse pra você praticar algum esporte feminino”. Naquele dia, percebi que mesmo na intenção de me proteger do mundo, tinha desequilíbrio na fala do meu pai. Passei a questionar todas as vezes em que mandava colocar uma saia mais comprida para sair à rua sem que mexessem comigo ou fazer X, Y ou Z porque era coisa de mulher.
Já na faculdade, ingressei num curso com predominância feminina, o que nos obrigava a frequentar as festas das outras graduações. Imaginei, dentro da minha inocência, que era natural que o mercado de trabalho refletisse aquela realidade. Não, não era.
Demorei um tempo para perceber que minhas colegas mulheres – aquelas que eram maioria na faculdade – se distribuíam por funções operacionais ou, no máximo, lideranças intermediárias. Mesmo quando fui evoluindo na carreira, poucas me acompanharam. À medida que fui ganhando equipes, me senti menos sozinha, pois compartilhava o “ser mulher” com mais gente. Ao mesmo tempo, à medida que a demanda por tomada de decisões aumentava, me sentia mais sozinha. Por quê? Olhava pra baixo e só via mulheres, mas olhava para cima – ou mesmo para os lados – e não as encontrava.
Tive um episódio em que, ao entrar num projeto composto por 13 homens e 2 mulheres, tentaram criar um conflito com a outra mulher presente, sobrepondo nossas atividades no projeto. Não tivemos dúvidas, nos unimos. Trabalhamos juntas administrando as situações que surgiam, nos ajudávamos – confesso que ela me ajudou muito mais porque eu havia acabado de chegar – e hoje, mesmo não trabalhando mais juntas, somos grandes amigas.
O que quero dizer com tudo isso é que não dá pra ignorar a diferença na forma como homens e mulheres são tratados no mercado de trabalho. Mas, dá pra ir educando para a equalização das lideranças, discutir o tema sob o ponto de vida de competência, talento e capacitação e escancarando essa vontade de ter boas líderes mulheres.
Não sei se pela minha natural sensibilidade ao tema, tenho me deparado com cada vez mais materiais sobre liderança feminina. A campanha #BanBossy é um exemplo, assim como o trabalho extraordinário do Lean In sob comando de Sheryl Sandberg. Mais recentemente, vibrei com o discurso de Emma Watson na Campanha #HeForShe, da ONU. Não consigo disfarçar minha alegria quando vejo este tipo de debate vindo à tona.
Termino esse texto com um vídeo da Sheryl, que tem contribuído muito para meu avanço profissional neste assunto. Já havia assistido seus vídeos no TED, mas quando li seu livro, no Brasil traduzido para “Faça Acontecer: mulheres, trabalho e a vontade de liderar”, tive a certeza de que podia contribuir mais para contar uma outra história. Lidero equipes majoritariamente femininas e de mulheres que trazem consigo uma dificuldade gigante de perceberem e acreditarem nas suas capacidades. Convivo com homens em posições de liderança o tempo inteiro e tenho voz para conversar sobre o fato de que podem estar errados na forma como vêem as mulheres de suas equipes. Tenho muitos amigos de diferentes círculos sociais que começam a abordar o assunto e quero discutir com eles sobre para onde as mulheres precisam ir.
Não quero queimar sutiãs, quero participar de decisões que mudem a vida de outras mulheres. Quero mudar de ideia sobre os (muitos) preconceitos que ainda estão em mim.
Toda a vez que tinha vontade de chorar numa sala de reuniões, sempre pensava que precisava ser mais “macha”. Hoje, minha vontade é de que mais homens chorem como mulheres.